Questões de ortografia


Em questões ortográficas e semânticas o brasileiro, invariavelmente, apela para o Aurélio. Assim é como carinhosamente nos referimos ao Dicionário da Língua Portuguesa coordenado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia recentemente falecido. Editada pela Nova Froneira S.A., do Rio de Janeiro, a obra está na 39 ou 40 impressão e tem servido como referência básica para várias gerações, como se encarnasse a própria autoridade mentora da língua nacional.

Há poucas semanas foi lançado um outro dicionário, coordenado também por um gigante de nossas letras, Antônio Houassis, falecido meses antes da obra ser publicada. Só o tempo dirá, entretanto, se o espaço justamente conquistado pelo Aurélio no coração do brasileiro vai ser dividido.
Na dúvida, é só procurar: mata-baiano, mata-barata, mata-bicho, mata-boi, mata-borrão, mata-burro, mata-cachorro, mata-cão, mata-cavalo, aí está. "[De matar + cavalo.] S.m. Bras. 1. Erva ruderal, muito dispersa, da família das solanáceas (Solanum aculeatissimum), caracterizada pela enorme quantidade de acúleos altamente pungentes no caule e nas folhas, as quais são lobadas, grandes e membranáceas, sendo os frutos bagas amarelas, ricas em sementes e pobres em polpa. 2. V. marimbondo-caçador. [Pl.: mata-cavalos.]" p.1101.

Essa dos acúleos (espinhos) altamente pungentes (perfurantes, que picam) lembra Cruz e Souza, de quem, aliás, o Aurélio destaca os versos de Faróis: "Como me embala toda essa pungência,/ Essas lacerações como me embalam,/ Como abrem asas brancas de clemência/ As harmonias dos violões que falam!" p. 1418.

Mas Mata-cavalo (com hífem) é também o nome de uma comunidade negra do Mato Grosso remanescente de quilombo.
O artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 88, determina a entrega dos títulos de propriedade aos "quilombolas". Até 1994, contudo, pouco havia sido feito. Com as comemorações dos 300 anos da morte de Zumbi, o herói negro nacional, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que se refere a si mesmo como tendo um "pé na cozinha", entregou o título ao Quilombo de Boa Vista, inaugurando o processo de discriminação dessas terras.

O nome Mata Cavalo, referindo-se ao quilombo sesmaria existente no município de Nossa Senhora de Livramento - Mato Grosso, a 50 km de Cuiabá, também aparece sem o hífem. Veja-se, por exemplo, a notícia do levante ocorrido na região. Esse quilombro teve seu título de terras garantido em outubro de 1999.

Existe ainda um rio o com o nome Mata Cavalo "na região de morro do pilar-borda leste da serra do espinhaço meridional (MG)", também grafado sem hífem.( Para quem não usa editar/localizar, procure o número 60 no link).

"Ladrão de pasto não sabe lidar com letra de educação."
"Nunca que eu apareci no Sobradinho ou em Mata-Cavalo para um ajutório de neto, para misturar meus gritos de goela nova nas suas ordens de velho."
( in Candido , José, O coronel e o lobisomem, 1964.)
O autor, membro da Academia Brasileira de Letras, conta a história do neto que herda do avo uma fazenda no interior do Estado do Rio que levava o nome de Mata-cavalo (com hífem).

Mas a grafia Mata Cavalo sem hífem também aparece em documentos oficiais
no antigo nome da rua Riachuelo no tradicional bairro da Lapa, conhecido como "quilombo urbano" da cidade do Rio de Janeiro.

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