sobre os acontecimentos de Nova Iorque....
From:
REMY José Fontana



Sent: Saturday, September 15, 2001 1:34 AM

Subject: Dario Fo - feridas sangrentas da fome e do abuso.

Dê uma possibilidade à paz!!!

Aquilo que ocorreu induziria o pânico, ao silêncio, ao desespero. O mundo foi golpeado por um enésimo massacre cruel.

Mas é necessário, ainda que doloroso, falar. Tentar compreender. A primeira observação que nos vem à mente é o absurdo que explode fora do televisor.

Diante desse drama o mundo parou, atônito. Mas não todos. As bolsas
do mundo não paralisaram nem por um segundo, continuaram a fazer dinheiro, a buscar lucros selvagens. Ao contrário, intensificaram o ritmo.
As pessoas ainda bradavam penduradas nos arranha-céus em chamas, antes que desabassem, e já os grandes corretores gritavam nos seus celulares: "Compre petróleo! Venda tudo! Compre petróleo!" e enquanto os títulos acionários perdiam 10%, em poucos minutos o petróleo subia para 10 dólares o barril e os espertalhões obtinham lucros de bilhões de dólares. E enquanto os presidentes de todos os países europeus se preparavam para exprimir a sua condolência, os seus banqueiros sugavam décimos o dólar e finalmente o euro assinalava muitos pontos a seu favor. Ninguém pensou em fechar as bolsas por decência e respeito aos cadáveres ainda frescos. A besta feroz do capitalismo afundava feliz os seus dentes nas carnes dos mortos e fortunas radiantes foram construídas em poucas horas.
E não é de admirar. Os grandes especuladores se banham numa economia que mata, cada ano, dezenas de milhões de pessoas com a miséria, que lhes importa que tenha havido 20 mil mortos em Nova Iorque?
Outra imagem assombrosa: as pessoas na rua, nos bairros palestinos, dilaceradas pela guerra civil, que festejavam o massacre. Gente que tem um morto em cada família e que não consegue mais ver o absurdo da morte, de qualquer morte. O sistema da violência, da exploração, do genocídio organizado dos pobres mendigos gera insensibilidade à violência. Gera a lógica da vingança.

Quase todos os dias, há anos, os aviões dos EEUU bombardeiam o Iraque, matando mulheres e crianças, com o pretexto de eliminar instalações de radar. E as televisões ocidentais não se dignam nem mesmo a transmitir a notícia. Aquela é gente considerada lixo, morrem aos milhares pelos efeitos dos projéteis de urânio que contaminaram a sua terra, morrem porque faltam medicamentos por causa do embargo, no silêncio carregado de desprezo dos meios de comunicação ocidentais. As lágrimas de hoje dos comentaristas televisivos são vergonhosas porque vêm depois do silêncio decenal sobre os crimes
do ocidente cristão.

É terrível, mas é assim: o desespero gera a loucura da vingança. Uma vingança que não serve para nada, uma vingança que trará outros
massacres por entre os deserdados do mundo.

E atenção: esse horrendo massacre de ontem, não foi realizado comprimindo um botão num avião que voa seguro a grande altitude. Ali foram dezenas de pessoas que se tornaram tão loucas a ponto de suicidar-se todas juntas ao atingir "os diabos brancos". Essa medida do desespero deveria fazer reflexionar.

Esse dia de terror deveria ter ensinado aos cultores da força do homem branco que não existe segurança e paz para ninguém num mundo onde o massacre e a prevaricação são a lei.

Já é um fato. As modernas tecnologias tornam tão potentes os indivíduos que nenhum sofisticado sistema de segurança pode proteger. Não é
mais possível, nem mesmo para os norte-americanos ricos, acreditar estar
em segurança.

Não há nenhum lugar onde se possa estar em segurança. O cão feroz da loucura pode dentar qualquer pessoa, onde quer que seja.

Os telejornais se aturdem (idiotas) que os potentes radares dos EEUU não tenham impedido os quatro aviões de serem desviados para serem usados como bombas gigantescas e atingir os lugares mais protegidos do mundo. Não querem compreender que as modernas tecnologias e a aglomeração das cidades oferecem dezenas de modos de fazer massacres. Esses horrendos atentados ridicularizaram as pretensões de Bush de construir um escudo estelar. Hoje usaram aviões, ontem gás nervino no Japão, balões de gás em Moscou! Amanhã bastará gritar: "Há uma bomba!!!"
num estádio para provocar um morticínio. Um país moderno não pode garantir a segurança sem estrangular completamente a "vida normal" dos cidadãos.

Não há como. Nenhum consegue manter milhões de pessoas fechadas em suas casas. A única garantia de segurança para o mundo rico é sanar as feridas sangrentas da fome e do abuso. Se não, cria-se um humus social dramático que só pode levar à violência mais louca.
Atenção: não se pode dizer, neste momento, quem armou os 'kamikazes'. Extremistas islâmicos? Extremistas da direita norte-americana? Sionistas loucos? Quem o sabe? O atentado de Oklahoma, o maior massacre terrorista ocorrido até ontem, foi imputado aos terroristas islâmicos e, depois, descobriu-se ser obra de terroristas brancos e fascistas que queriam provocar uma reação anti-islâmica. Poder-se-ia também descobrir que por trás do massacre de ontem estejam todas as facções terroristas e todos os serviços secretos, unidos no comum intento de jogar a sociedade civil no caos...Uma coisa é certa: para além de quem sejam os executores materiais do massacre, essa violência é filha legítima da cultura da violência, da fome e da exploração desumana. Essa violência, esses mortos, tornam imensamente felizes aqueles que ganharam milhões de dólares em poucas horas, especulando sobre o preço do petróleo, os comerciantes de armas e os chefes terroristas brindam ébrios de felicidade juntamente com os generais e almirantes, cansados dessa paz rastejante que ameaça todos os dias o estado de guerra e os lucros feitos com as minas anti-homem.

Amanhã os caças bombardearão alguma cidadela perdida, matando civis inermes, com a desculpa de justiçar os culpados e os 'lobbies' do iene incitarão a dar dignidade às despesas militares. "Os Estados Unidos devem responder imediatamente a essa agressão!", gritava um cretino da rua e as suas palavras foram transmitidas por milhares de telejornais em todo o planeta. Represália!", grita Bush, o carrasco do Texas.
Atingirão, farão 10 mortos com a pele oliva para cada cadáver branco. E alguém proporá reagir com manifestações de rua e, de novo, a polícia fará mortos. Deve estar claro para todos que este é um momento gravíssimo. É uma nova forma de guerra que nos arrasta para aquela a que nos querem levar. A escolha da paz tem uma única possibilidade: continuar obstinadamente a trabalhar com os instrumentos da paz. Afirmar com toda a força possível que pudermos e é necessário cortar o nosso apoio econômico às multinacionais da morte.

Hoje mais que nunca, a opção individual de milhões de pessoas é o único instrumento possível, a única estratégia vencedora. Tiremos o nosso dinheiro dos bancos que financiam a venda de armas, o nosso dinheiro que alimenta a economia da dor; deixemos de comprar o combustível da Esso, os produtos da Nestlé; deixemos de beber Coca-Cola, de comer no MacDonald's; convertamos os nossos automóveis para óleo de colza e para gás; coloquemos nossas economias em fundos de investimento ético; abandonemos as seguradoras que mantêm conluio com o sistema da morte; não compremos automóveis de quem produz minas anti-homem; não compremos sapatos de quem mantém as crianças em escravidão; não comamos os alimentos da química; abandonemos as marcas da cultura do lucro a todo custo.

Nestes anos, trabalhamos com sucesso para demonstrar que é possível associar os nossos consumos, economizar, ter produtos melhores e, ao mesmo tempo, boicotar o mercado da morte, recusando-nos a levar o nosso dinheiro ao seu moinho. Hoje, essas escolhas não são mais apenas justas e convenientes, são também urgentes e inadiáveis.

Pedimos-lhe que faça um gesto, agora, imediatamente. Não há mais
tempo para ficar pensando a respeito. A locomotiva do capitalismo selvagem está acelerando a sua velocidade, aponta com determinação absoluta para a guerra e a destruição do planeta. A única possibilidade
é impedir-lhe o abastecimento de combustível. Logo. O mundo é governado pelo dinheiro.

O dinheiro é o único argumento ao qual os poderosos são sensíveis. Dê uma possibilidade à paz. Logo. Comece. Não espere que o façam os outros.

Cada lira que você tirar dos donos do mundo é um sopro que presenteará
à humanidade. Vote a cada vez que fizer um gasto!

Dario Fo, Franca Rame, Jacopo Fo

- Tradução (apressada) de Carlos Paranhos, ator e dramaturgista, Sampa.

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