TV versus Internet
Texto de Marcio Palácios no Correio Brasiliense - Brasília, domingo, 16 de setembro de 2001

No devido lugar

A tevê venceu a corrida. E agora, como é que fica a Internet?
Marcos Palacios Especial para o Correio Brasiliense.

Com um lapso de menos de 15 dias entre eles, dois acontecimentos, um de caráter nacional e outro internacional, demonstraram que a televisão é ainda imbatível para a cobertura jornalística em tempo real.

No dia 28 de agosto, eu trabalhava em meu computador e fiquei sabendo do seqüestro de Sílvio Santos, através de um jornal online. No dia 11 de setembro, recebi a notícia do atentado ao WTC, por telefone. Nos dois casos minha reação foi idêntica: correr para a sala, ligar a TV a cabo, zapeando compulsivamente entre as emissoras especializadas em notícias. Minutos após o choque do avião contra a segunda torre, a CNN exibia uma profusão de imagens e sons, tomados de vários ângulos, por suas próprias câmeras ou por amadores, enquanto vítimas, autoridades e especialistas eram entrevistados, em diferentes lugares do mundo.

A Globonews e a Bandnews usavam essas imagens e repercutiam os acontecimentos em nível nacional, usando correspondentes locais, entrevistando ao vivo, ou através de ligações telefônicas. BBC, RTPI, Deutsche Welle, RAI, TV5, forneciam uma visão européia dos eventos.

A televisão, para quem tinha um controle remoto na mão e acesso a canais abertos e fechados, funcionou plenamente como um veículo globalizado: cobrindo, estabelecendo ligações entre fatos, produzindo sínteses periódicas, recapitulando a ordem dos eventos, fazendo ouvir a voz dos aflitos, dos peritos e dos governantes, lá e aqui. Quem, em sã consciência, numa tal sucessão de rapidíssimos acontecimentos, iria optar por navegar placidamente por entre sites da Internet, mesmo numa chamada ‘‘conexão rápida’’, pacientemente aguardando o download de vídeos exibidos em trêmulas telinhas,
ou o aparecimento de flashes de textos, ainda que atualizados de segundo a segundo?

Acontecimentos desse tipo parecem colocar em xeque a Internet como o suporte midiático por excelência do novo milênio, como tem sido apregoado por alguns profetas da Revolução da Informação, da estatura de Nicholas Negroponte ou Pierre Levy, e com imenso respaldo da mídia de massa em geral. Essa combinação de ‘‘discurso competente’’ com difusão massiva de slogans tem sido responsável pela criação de expectativas que estão além da capacidade de resposta de qualquer tecnologia de comunicação.

Por outro lado, é preciso ter clareza de que o que está em cheque não é
a Internet, mas sim uma determinada visão do que seja essa tecnologia.

ENQUANTO ISSO, NA INTERNET...

A Internet cumpriu e continua cumprindo perfeitamente seu papel. Relaxada a tensão, tornada repetitiva a interminável produção e reprodução das imagens dos choques dos aviões contra as torres, explosões e correrias, banalizadas as terríveis cenas de corpos caindo da altura de uma centena de andares, retornamos ao computador, e passamos a nos comunicar por e-mail, buscando notícias de amigos, amigas, parentes, que sabíamos mais próximos dos acontecimentos.

Passamos a vasculhar os sites de nossas preferências, tirando proveito dos bancos de imagem, áudio e vídeo que começavam a se formar. Podíamos agora ver, rever, gravar, estocar todas as fotos, todos os sons, todos os vídeos, que haviam sido mostrados na TV. O portal da AOL, American Online, criou uma seção especial chamada America in Crisis para facilitar a comunicação entre os envolvidos na tragédia. O site da MSNBC estabeleceu uma sala de chat para discussão dos eventos. A Folha de S. Paulo disponibilizou um serviço para que brasileiros nos Estados Unidos pudessem mandar mensagens tranqüilizando suas famílias no Brasil e criou uma lista alfabética dos contatos recebidos. O Ibope iniciou uma pesquisa on-line para saber o que os brasileiros pensam do terrorismo internacional. A Casa Branca dedicou seu site à tragédia e seus desdobramentos, com contínua atualização da posição oficial norte-americana.

E, como não poderia deixar de ser, começavam a circular as mensagens ‘‘politicamente incorretas’’, as piadas, as fotomontagens, a ponto de ficar difícil, algumas vezes, decidir o que é fato e ficção.
Provou-se verdadeira a camisa da seleção brasileira vestida por um menino árabe, numa demonstração pró-terrorista num campo de refugiados palestinos, que muito bem poderia ser uma montagem no Photoshop. Como provou-se falsa a suposta previsão de Nostradamus que circulou nas primeiras horas da tragédia e que bem poderia ser verdadeira, dado seu caráter vago e abrangente.

Para se entender como é que fica a Internet depois disso tudo, é preciso que se estabeleça uma distinção entre uma lógica da oferta, que caracteriza as mídias tradicionais (rádio, TV, imprensa), que funcionam por emissão de mensagens e uma lógica de demanda, que caracteriza a Internet, que funciona por disponibilização e acesso do usuário às mensagens. E essas modalidades midiáticas são complementares e não pontos ascendentes numa escala evolucionária. Não há ‘‘progresso’’ entre o jornal, o rádio, a TV e a Internet, mas sim conjugação de formatos. Para colocar as coisas de maneira direta, diríamos que a Internet é um excelente suporte para a oferta e estocagem de informação, mas a disponibilização de crescentes massas de informação requer, cada vez mais, profissionais encarregados da filtragem, triagem, validação dessas informações, e sua difusão pelos mais variados tipos de suportes, das telas da TV, às telinhas dos celulares, das ondas do rádio ao tradicional papel dos jornais. Informação e conhecimento não são sinônimos e o jornalismo é certamente uma das formas que temos para conhecer o mundo.

A idéia do desaparecimento do jornalismo e dos jornalistas, em função do desenvolvimento da Internet e do crescimento da informação disponível, é uma simplificação absolutamente descabida, frontalmente desautorizada por tudo que vivenciamos nesta semana.

Marcos Palacios é doutor em sociologia, jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e pesquisador no CNPq na área de Novas Tecnologias de Comunicação e Jornalismo na Internet. E-mail: palacios@ufba.br

Comentários