Casar, por que casar?
Decidi casar quando entendi que o amor é uma decisão. Até então minha idéia sobre o amor tinha uma conotação romântica, algo que acontecia ao acaso, talvez até caído do céu, jamais fruto de uma vontade consciente.

Este novo conceito de amor significava uma reviravolta. Era como sair da posição de Gerson que queria "levar vantagem em tudo" e adotar os princípios culturais das ilhas Trobiand, onde o poder e a riqueza estão sempre com aquele que mais doações fizer, independentemente do fato de chegar ao final do período literalmente na miséria. Mas há que dizer também, a bem da verdade e por razões outras, que entendi a vida como dádiva acompanhada de uma ampulheta cuja areia corre inexoravelmente, impondo-nos opções a cada passo e muitas renúncias.

É bom esclarecer que à época do nosso casamento estávamos juntos há quinze e tínhamos um lindo filho de 10 anos, vivendo eu contente na fidelidade.

Aceitar a idéia do amor como decisão pedia um novo pacto e nada melhor que um casamento para representar isso. Afinal, a liturgia católica existe e sobrevive há dois mil anos porque soube criar rituais igualmente eficientes e belos. Há que reconhecer isso. Aliás, fazendo uma digressão, apenas para ilustrar esta observação, nos últimos tempos compareci a três casamentos que simularam o ritual católico. Nos três os filhos levaram as alianças e em dois o celebrante era um bispo da chamada Igreja Católica Brasileira (dizem que nessa igreja não há padres), entidade que existe segundo se sabe apenas para realizar esses atos solenes. Embora os presentes se dessem conta da contrafação, a emoção que essas cerimônias nos passam é a mesma e as noivas não dispensam o uso do véu, da grinalda e as lagrimas, ou seja, tudo a que têm direito.

O casamento para as mulheres tem um sentido mais profundo do que para os homens e talvez por isso elas comandam e são as figuras centrais da festa. No meu imaginário casamento remete logo para a noiva, seu vestido, sua entrada triunfante, o buquê de flores e o bolo. O noivo entra como um figurante proeminente, estático ao pé do altar aonde é conduzido pelo braço da mãe. Só o juramento, recentemente alterado, é que deixava transparecer a hierarquia que se estabelecia para a relação quando a mulher jurava obediência e submissão "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença".

Esses momentos de mudança são chamados pelos antropólogos de "rituais de iniciação" ou "ritos de passagem". Eles são inúmeros, um para cada fase da vida dos indivíduos e dos grupos sociais. O casamento é um deles e talvez o mais importante porque resulta na formação da família, mecanismo por excelência da reprodução social, que insere novos indivíduos na sociedade e tem a função de socializá-los, reproduzindo duplamente a sociedade do ponto de vista biológico e cultural. A manutenção da relação entre dois adultos nessa situação envolve sexo, afeto, segurança de realização pessoal e diálogo constante, além do compartilhamento de responsabilidades.

Como atualmente a relação entre os sexos, com a quebra da hierarquia já não é obrigatória, sendo mais justas e mais iguais, sua sobrevivência é desafiada cotidianamente. Há que correr riscos para mantê-la. Entender o amor como uma decisão é também aceitar que o casamento e a família são coisas a construir na relação a dois e constante desafio. Há que decidir amar a cada dia.

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