Quem quer e não possui... mata porque ama!

“Quero Eloá, amo a Eloá”, essa é a frase que se tornou símbolo do crime cometido por um homem violento e homicida. Frase que tirou o critério de crime da situação e colocou em cena a figura do homem apaixonado e desesperado pela falta do amor da sua vida.

Enquanto o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar esperava durante longos cinco dias para saber se o homem violento e homicida iria se entregar, as pessoas se perguntam porquê os policiais não atiraram nele nas seis vezes que ele ficou na mira dos atiradores de elite.Vejo algumas pessoas se perguntarem de quem Eloá foi vítima.

Aquela cegueira que tanto, nós feministas, denunciamos, ficou absurdamente evidente nesse caso que torturou de expectativa e medo a população brasileira. O coronel da tropa de choque de São Paulo, Eduardo José Félix, diz que se atirasse num rapaz de 22 anos em crise amorosa, todos julgariam que ele matou um rapaz sem antecedentes criminais, trabalhador, por está desesperado pela perda da namorada, sem nem ao menos esperar uma negociação. Não só eu, mas acredito que muitas e muitas pessoas tremeram ao ouvir a declaração do coronel, que ao invés de decidir cumprir seu dever como policial, na defesa e proteção da vida das adolescentes enclausuradas e ameaçadas, resolveu proteger o “pobre rapaz vítima de uma crise amorosa”.
Como as coisas podem ser tão distorcidas assim?

Como se permite, apesar de tanto treinamento e experiência, que uma refém volte ao cativeiro? O que mais me chocou, como ser humano, foi acompanhar Eloá viva na janela, por várias vezes e depois vê-la, rodeada de policiais, com um tiro na cabeça.

O que mais me chocou como mulher, foi sentir o respeito pelo “rapaz apaixonado” e o descaso pela vida das duas adolescentes que estavam com o direito de viver ou morrer nas mãos de Lindembergue. Na mídia e no ato passivo da polícia, ficou evidente que não se tratava de um bandido nem de um criminoso, mas de um rapaz com o futuro inteiro pela frente, que estava num momento de loucura. E onde fica o presente daquelas meninas? Onde fica o futuro delas? Por que os outros reféns, rapazes, foram logo liberados?

Em nenhum momento percebi o direito à vida ser discutido. O que se falava era que elas eram lindas e inseparáveis, e Eloá a menina mais bonita da escola. Ela é uma menina bela, ponto. Como é que um homem maior de idade, que mantêm duas adolescentes de 15 anos na mira de uma arma de fogo em cativeiro por cinco dias, não é um criminoso? Por que tanto respeito a ponto de invadir o apartamento com balas de borracha apenas?

As “balas de verdade” do “pobre rapaz” a vida de Eloá, e deixaram marcas para sempre no rosto de Nayara. Amor? Até quando as mulheres vão morrer por essa coisa estúpida e perigosa que chamam de amor? Até quando os homens vão se sentir tão proprietários da vida das mulheres a ponto de decidir se ela continua ou acaba? Evidentemente que ele não tinha nada a perder. Como negociar com um bandido se você não tem o que ele quer? Ele queria a propriedade sobre a vida de uma mulher, suas decisões, seu afeto, sua vida... e já que ele, na sua lógica, não a possuía mais, a penetrou e a feriu de morte com uma bala em seu ventre, região da sexualidade e da vida.

E para acabar com a possibilidade enfim, dela continuar vivendo sua própria vida, suas próprias decisões, o veredicto final do “pobre rapaz”: um tiro que atravessou sua cabeça. E por que ele teve tanta liberdade de decidir por isso?
Porque ele é "o cara, o príncipe do gueto", e príncipes costumam decidir quem vive e quem morre. Agora como consolo, a mídia mais uma vez faz aquele velho discurso: “os órgãos da menina vão beneficiar pelo menos oito pessoas”, aquele discurso da bondade, do “não foi tudo perdido”, a diretora do hospital declara: “a gente acredita que vai ter grande sucesso. Apesar da dor da família, de todo esse estresse emocional que esse seqüestro causou, a gente tem alegria, com certeza, de fazer muitas pessoas que tinham o prognóstico fechado viverem”. Sucesso? Estresse? Alegria? Essas palavras me trazem aquela sensação de filme já visto, do desvio das atenções, do apelo à doação de órgãos, o que de fato é absolutamente legítimo, mas que neste caso não pode borrar a atenção do assassinato de Eloá por um homem violento que se achava seu dono.

Apesar de tudo, o delegado do caso, Luis Carlos dos Santos, ainda tem muitas dúvidas antes de dar qualquer pronunciamento sobre a qualificação do crime: “Precisamos saber principalmente o que o levou a tomar a decisão de atirar nas vítimas”. Seria para rir se não fosse tão trágico! Infelizmente, as mulheres ainda continuam lacradas, e neste caso, lacrada, perfurada no útero por uma bala, eliminada da sua condição de “ser”, pelo dono da situação, que decidiu que sem ser de sua propriedade, não havia nenhum motivo para continuar viva, ela já não tinha mais nenhum valor. Espero que, no julgamento ao menos, esse homem violento, homicida premeditado e seqüestrador, seja visto como tal, e não como um “trabalhador, calmo, amigo, companheiro e rapaz desesperado” como quer a mídia e a polícia.

E eu fico aqui, me perguntando por que tanta condescendência com os homens violentos e assassinos e tão pouco direito para as mulheres nessa sociedade que se diz democrática.

Kaliani Rocha.

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