Juiz condena Ustra por seqüestro e tortura

Folha de São Paulo
São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Coronel reformado contesta as acusações, diz que ação contraria Lei da Anistia e deve recorrer ao Tribunal de Justiça

Coronel torna-se o primeiro oficial condenado em ação declaratória por seqüestro e tortura; decisão não prevê indenização nem punição

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL


Por decisão do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, de primeira instância, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra tornou-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por seqüestro e tortura durante o regime militar (1964-1985).

A sentença, publicada ontem, é uma resposta ao pedido de cinco pessoas da família Teles que acusaram Ustra, um dos mais destacados agentes dos órgãos de segurança dos anos 70, de seqüestro e tortura em 1972 e 1973.

O coronel reformado, que nega a prática de tortura, pode recorrer da decisão ao Tribunal de Justiça (TJ). Em sua defesa, Ustra disse que a ação contraria a Lei da Anistia (1979), que significou o perdão dos crimes cometidos durante a ditadura.

A condenação de Ustra ocorre cerca de duas semanas depois de o TJ paulista rejeitar uma segunda ação movida contra Ustra, desta vez por tortura e morte de um jornalista.

Na decisão de ontem, o juiz Santini argumentou que a anistia refere-se só a crimes, e não a demandas de natureza civil, como é o caso da ação declaratória, que não prevê indenização nem punição, mas o reconhecimento da Justiça de que existe uma relação jurídica entre Ustra e os Teles, relação que nasceu da prática da tortura.

E foi isso que o juiz reconheceu na ação iniciada pelo casal Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles; pelos filhos Janaína e Édson; e por Criméia, irmã de Maria Amélia.

Acusados de subversão, o casal e Criméia, que estava grávida, foram presos no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), comandado por Ustra, que usava o codinome "Tibiriçá". Com 5 e 4 anos, Janaína e o irmão foram levados para o presídio como uma forma de pressão.

Casa dos horrores

Na decisão, o juiz afirmou que, pela descrição das testemunhas, o DOI-Codi era "uma casa dos horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava".

As testemunhas, que estiveram presas junto com os Teles, disseram que Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Das celas, relatam que ouviam gritos e choros dos presos.

"Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu [Ustra]. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores", afirmou o magistrado.

"É uma decisão excelente. O juiz atendeu a nosso pedido de justiça, de dar nomes aos torturadores" , disse Maria Amélia.

Ex-presos políticos devem se reunir hoje no antigo prédio do DOI-Codi, em São Paulo, que reúne arquivos do regime militar e exposição de obras de arte.

outro lado

Oficial nega conivência com tortura
DA REPORTAGEM LOCAL

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, declarou em juízo que não cometeu nem foi conivente com atos de tortura praticados durante o regime militar.

O militar pode recorrer da decisão ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que é um órgão de segundo grau.

Durante o processo, o militar argumentou que eventuais crimes cometidos em 1972 ou em 1973, como relata a família, não poderiam mais ser punidos pois já estariam prescritos (prazo em que alguém pode ser responsabilizado) e que a ação deveria ser contra a União, e não contra um servidor.

Por meio de seus advogados, Ustra disse ainda que a ação movida contra ele fere a Lei da Anistia, de 1979, que beneficiaria os agentes dos órgãos de segurança pública que combateram movimentos armados durante o regime.

Em entrevistas anteriores, o militar classificou as acusações de "mentiradas" e de invenções para prejudicá-lo. Afirmou ainda que, por "essas coisas que esse povo faz [relatos de sevícias], aquele negócio todo, tem horas que a gente desiste de viver".

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