um artigo .. da novae...

Talvez poque seja da minha área de formação.. talvez porque tenha gostado realmente do artigo.. tomo a liberdade de reproduzi-lo na íntegra.. aqui...

Os Impasses do Mundo
[fonte: http://www.novae.inf.br/novasvozes/impasses.html]
Por Maurício F. Pinto

Vivemos uma época da nossa história caracterizada por um impasse. Num momento de acontecimentos tão atordoantes e perturbadores, que afetam o conjunto das relações humanas em escala global, o homem não consegue definir rumos, metas, objetivos para sair da situação problemática em que vive. Na verdade, o homem não encontra formas de compreender a si mesmo enquanto alguém que é parte do que está acontecendo. Este homem sofre os efeitos de um mundo “despersonalizado”, sendo o próprio homem reprodução de tal mundo. Este homem não consegue se pensar como alguém dado numa sociedade não consegue perceber a dimensão coletiva da qual faz parte.

Nossa época é um momento histórico importante, porém o homem não consegue enxerga-lo assim. Este homem prefere a individualidade da sua vida “privada”, vida definida pela interação que mantém com “entidades” que saltam de monitores de computador, telas de TVs e painéis luminosos nas grandes cidades. O homem está em franco processo de “esterilização” da sua capacidade de ver o mundo. E isto parece conseqüência do século que acabou: o século que deu as maiores esperanças para o homem também aniquilou com toda e qualquer “visão de mundo” que este poderia ter. Hoje, este homem é resultado de um abandono que fez de si mesmo; abandonou seu mundo, sua vida, sua ideologia.

Quando Platão, na República, projeta sua “cidade perfeita”, seu estado ideal, não esperava que tal utopia viesse a se realizar totalmente; tinha consciência de que aquilo que propunha era perfeito nas palavras, e não tinha por expectativa realiza-lo integralmente no mundo empírico: “não importa se existe ou se jamais existirá (...) nunca foi construída de fato, por isso erigida para sempre.” Platão ressalta aqui a importância de se pensar mundos possíveis, mesmo que eles não se efetivem concretamente da maneira como forem planejados. Este modo de pensar grego permaneceu por algum tempo, até que o Império Romano asfixiou sua cultura e modo de ver o mundo. Esta liberdade de imaginar “mundos possíveis” atrofiou-se espantosamente na Idade Média, cabendo à Escolástica determinar o que seria da vida dos homens, numa visão reduzida, centralizada e dogmática. Quando “renascemos”, a partir do século XIV, a legado grego foi resgatado. Obviamente, a Escolástica já teria imprimido seus valores no mundo ocidental de forma profunda, e não se poderia esperar o contrário: uma conjunção de liberdade para voltar a imaginar novos mundos, com restrições para efetiva-los.

Este “renascimento” marca a modernidade da civilização ocidental. Progredimos bastante em tecnologia e ciência, assim como a sociedade se sofisticou e cresceu. Talvez possamos dizer que o mundo atual oferece melhores condições para o homem pensar novos mundos do que no passado. Mas, que condições são essas? Quem as tem? O século das Luzes (XIX) projetou muitas soluções para o posterior: a ciência atingiu o status de conhecimento supremo um cientificismo religioso e o homem viu seu mundo “ideal” surgir no horizonte; era agora uma possibilidade concreta, palpável, realizável. Parece que esqueceram do que Platão dissera a respeito desta viabilidade. Na tentativa de efetivar tal visão de mundo, o homem provocou os maiores atos de barbarismo contra si mesmo jamais registrados antes. Ao delegar seu futuro (e sua vida) a um extremado racionalismo científico, esqueceu o homem de pensar em si mesmo como alguém que habita este mundo, alguém cujas necessidades vão além do que a “crueza” científica pode prover.

O homem é, neste início de século XXI, um ente desassistido, desamparado, sem perspectivas, sem objetivo. Se não sofre algum desses males é porque encontrou “soluções comerciáveis”, substitutos descartáveis que iludem seu senso comum melhor dizendo, que produzem seu senso comum. Para homens como este o mundo é o que deve ser ou o que não poderia ser de modo diferente: é o único mundo possível. E se este mundo é irreconciliável com o homem que o habita, então se busca como saída o “mundo interior” da subjetividade, a “realidade fantasiosa” religiosa, esotérica, mágica , preferível à sua aridez, descompaixão e incompreensão.

Platão pode ser acusado de querer extinguir o individualismo no homem que habita (ou habitaria) sua “cidade perfeita”; e é justo que se entenda desta forma. Porém o que o filósofo pretendia não era despersonalizar os homens, mas sim lhes recuperar a dimensão pública e coletiva, fazê-los perceber a importância que o Estado tem e que eles têm para o Estado segundo Platão, Estado e homem são uma só coisa, em diferentes proporções: o Todo (o Estado) nada mais é que o conjunto das deliberações de suas partes (os homens). Desta forma, homem e Estado são indistinguíveis. E o que vemos em nossa época? Valendo-se das palavras de Ludwig Feuerbach, o crítico do hegelianismo que influenciou o pensamento filosófico do jovem Karl Marx, o homem hoje está em cisão consigo mesmo. O homem, mais uma vez, perdeu sua dimensão pública e coletiva.

Mas o mundo fica cada vez mais complexo, mais caótico. E este mundo está se distanciando cada vez mais dos homens. Mas, o mundo fica caótico para quem? Para estes mesmos homens. São eles, pois, que sofrem as conseqüências de um mundo que deixaram de incorporar em si, que esqueceram de pensar como a dimensão maximizada de si mesmos.


Maurício F. Pinto, 24, é estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

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