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A guisa de curiosidade.... e para mostrar como as expressões surgem na língua..

Um artigo de Luiz Roberto Delphim, 1996, [http://www.mrsoft.com.br/delphim/cr_solidao.htm]

Solidão
Solidão é coisa de quem trabalha muito. "E aí, fulano, como vai a vida? Ah, muito trabalho, lida, lida, só lida." De "só lida" veio "só lidão" — lidão é uma lida comprida, comprida como mandato de político ruim —, que acabou virando solidão. Então, solidão é acúmulo de trabalho, é muito trabalho mesmo. Tem também a solidinha, que é a solidão rapidinha, curtinha como lida de malandro. Daí que solidinha é aquele abandono light, pouco mais que um suspiro e uma carinha de choro — dura cinco minutos e cura com ursinho de pelúcia ou chope escuro, conforme o caso. É... solidão: coisa de quem trabalha feito doido. Mas dizem que doido não trabalha. Então... hum... tipo assim... acho que não sei.
Controvérsias, há controvérsias. Tem gente que não aceita essa história e diz que a palavra apareceu no Nordeste — os nórdestinos, muito hábeis com as palavras, iam acabar chiando mesmo. Eles dizem que a coisa começou com um cantor americano de soul, Lee Down, que se apresentava nos show-mícios do Sarney — o pólitico, ele mesmo — quando ele concórria ao góverno do Amapá... ou seria Maranhão... Róraima... Carólina do Norte... sei lá. Aí o locutor falava: "E agora com vóceis, o grande cantor de soul, Lee Down." E aí o sujeito cantava. Sozinho. A coisa ficou na cabeça do povo — ... soul, Lee Down, ... sou, li daum — e acabou dando em "... solidão", com reticências e tudo, porque solidão é uma dessas coisas que a gente sabe como é ruim, mas não sabe direito onde começa.

A solidão, em si, já é uma contradição. Quanto mais gente, mais solidão. Solidão urbana, síndrome da cidade grande, ô troço besta. Experimente andar pela Praça da Sé, em Sum Paulo, e ver se alguém lhe acena. Se acontecer de alguém se aproximar com ar simpático, pode ser um cidadão solidário — ou solitário — querendo confraternizar. Mas pode ser assalto mesmo. Cidade pequena é diferente, você é conhecido pelo nome. Pior, pelo apelido. Impossível andar com meu pai na cidade dele: três paradas por quarteirão, só para falar com a turma — a turma dele, claro. Devia candidatar-se a vereador. Se você quer ser reconhecido na rua como meu pai, mude para uma cidade menor. Ou fique famoso.

Mas não tem crise não, porque também tem o disque-amizade, bate-papo por telefone. Tecnologia de apoio para o solitário moderno, arma para combater a solidão. E para destruir o seu orçamento. Só 7,90 reais por minuto. "Ah, mas tem até 45 dias para pagar, aí tudo bem, no mês que vem a gente se vira..." Olhe, é mais barato — bem mais barato — falar com o Japão, ligação pessoa-a-pessoa, via telefonista, no horário nobre. Você fala japonês? Tem parentes no Japão? Acompanha de perto a cotação do yen? Adora o Nacional Kid e o Godzila? Então, além de mais barato, é proveitoso.

Lygia Fagundes Telles — nem doida, nem política, só lynda — falou que o cotidiano de muitos escritores é solitário. Tem que ser mesmo, senão o trabalho não sai. Então não vale só para escritores, vale para pintores, músicos, escultores, criativos e doidos em geral. Ainda bem que não sou exatamente um escritor: um ponto a menos para a solidão. É que solidão dói. Solidói... Ai, caramba, estou forçando a amizade: acho que acabo de perder metade dos meus quatro leitores. Sobraram meus pais. Que já estão de cara feia.
Está certo que etimologia nunca foi o meu forte. Mas o que é que eu posso fazer? Depois que "forró" veio de "for all", depois que "Sarney" veio de "Sir Ney", perdi o medo de ser feliz. Em artigo recente, o pesquisador israelense Saul Lindaum, autor do livro de auto-ajuda "Sou Lindão" — prefácio de Mike Tyson — diz que o povo gosta de suspirar, de dar risada e de ver o circo pegar fogo. Então, enquanto me informo sobre o escândalo da semana, enquanto aguardo um telefonema de Catherine Deneuve — paixão crônica, ia dar numa crônica apaixonada —, vou entretendo a platéia.

Disponível em http://www.mrsoft.com.br/delphim/cr_solidao.htm

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