Recebi por email... e reproduzo aqui, pois o artigo nos faz refletir um pouco mais sobre o poder legislativo e como podemos contribnuir para faze-lo funcionar...

Jornal da Tarde, 10/03/2004.



O Legislativo em transformação

Marco Aurélio Nogueira



Todo início de ano político joga luz sobre o Poder Legislativo. Salvo quando o recesso parlamentar é suspenso, a política só começa mesmo quando deputados e senadores entram em cena. A democracia, a rigor, não pode funcionar sem um Legislativo forte e atuante.

O quadro geral, porém, contrasta e relativiza essa tendência: o Poder Executivo insiste em tomar decisões a toque de caixa, por temor de não conseguir governar, aumentam as pressões em favor da democracia direta e o Legislativo parece claudicar. A representação ficou emparedada.

A “sociedade da informação” se afirma impelida pela velocidade, a inovação tecnológica cria novidades contínuas e facilita enormemente o processamento de informações, a globalização unifica mercados e enfraquece os Estados nacionais. O poder efetivo – consubstanciado nas decisões econômico-financeiras transnacionais – escapa da política, que passa assim a operar sem muita eficácia. A sensação é de que políticos, rotinas parlamentares e governos são impotentes ou inúteis diante da força dos fatos e dos grandes interesses econômicos.

A imagem que a opinião pública tem do Parlamento é tendencialmente negativa. O decisionismo do Executivo agrava ainda mais os efeitos das “irracionalidades” existentes no sistema político, da fragilidade e do despreparo técnico da classe política, da espetacularização que esvazia a política de sentido cívico. Hoje, o Poder Legislativo está submetido a um complexo conjunto de pressões e desafios, provenientes do próprio processo de reorganização da vida contemporânea e sobretudo de sua tradução brasileira, onde globalização e inovação tecnológica acelerada se misturam com uma questão social que não parece ter limites. O Legislativo tornou-se, ele também, um “ambiente” carregado de demandas e às voltas com complicados problemas de organização, funcionamento e desempenho. Quando posto diante de temas polêmicos e estratégicos, parece enfartar. Não deixa de funcionar e nem de cumprir um papel de relevo, mas “sofre” para fazer isso.

As dificuldades do Legislativo provêm tanto das mudanças que ocorrem na base da sociedade e no modo de vida, quanto das transformações por que passa a democracia contemporânea. De uma representação política baseada em partidos e eleitores fiéis, estamos transitando para uma representação de novo tipo, na qual o “público” joga o papel principal. Grupos, interesses e opiniões pressionam por participação e cobram agilidade e soluções dos parlamentares. Os eleitores são, hoje, mais informados, mais instáveis, mudam de opinião com rapidez, são menos leais aos políticos. O Poder Legislativo nem sempre consegue operar em sintonia com a sociedade.

O Instituto do Legislativo Paulista foi criado pela Assembléia Estadual de São Paulo com o objetivo principal de organizar atividades para aumentar o preparo e a competência de seus quadros, tanto os parlamentares quanto os de assessoria e suporte. Tem dialogado e interagido com as universidades públicas estaduais, buscando parceiros, idéias e sugestões. É um caminho promissor. Desde o final de 2002, a Universidade Estadual Paulista (UNESP) tem participado intensamente dessas atividades, procurando contribuir e auxiliar a Assembléia nessa que é, sem dúvida, uma iniciativa digna de todo apoio. Agora, no mês de fevereiro, a própria UNESP deu início a um Curso de Especialização em Governo e Poder Legislativo, com duração de 420 horas, que deverá se estender até meados de 2005, para uma turma de 50 participantes.

A melhoria contínua da qualificação técnica, ética e política dos quadros do Poder Legislativo é fundamental para o bom funcionamento da democracia representativa em qualquer lugar do mundo, e portanto também no Brasil. A “classe política”, o Estado e a sociedade só têm a ganhar com isso.

Mais preparo técnico e político não garante tudo, é evidente. A recuperação plena do Poder Legislativo depende de como avançará a reforma do sistema político. Quanto mais democrática e criteriosa for essa reforma – quanto mais ela estiver aberta para a sociedade civil e os interesses da maioria --, mais o Legislativo será valorizado e se recolocará de modo ativo na vida brasileira. Sistemas, porém, não agem por moto próprio. Depende de idéias e pessoas. Um “novo” sistema político só produzirá efeitos positivos se encontrar bons profissionais que o implementem e façam funcionar.

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