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David Lodge

Andei comentando aqui livros de Davi Lodge. Esta semana recebi de uma pessoa amiga a resenha de obra (Pense) daquele autor escrita por Rafael Cardoso, publicada no Jornal do Brasil, [23/FEV/2002], transcrita abaixo.

PENSE...
David Lodge
Best Seller, 384 páginas
R$ 39

A orelha do livro anuncia, hiperbólica, que ''David Lodge é um dos mais importantes e inovadores escritores da atualidade''. Com toda certeza, não chega a tanto. Mesmo assim, a negação desse exagero precisa ser qualificada. Com mais de dez romances publicados, Lodge é, sem dúvida, um autor maduro, em pleno domínio de sua voz narrativa e tarimbado no uso de toda espécie de recurso técnico da escrita. Em seu novo romance, Pense..., ele se permite brincadeiras típicas de um virtuose literário ao parodiar em alguns trechos o estilo de colegas consagrados como Martin Amis, Salman Rushdie, Samuel Beckett e Irvine Walsh, entre outros.

Infelizmente, a graça desses exercícios de pastiche se perde quase que inteiramente em função da qualidade deplorável da tradução, o pior dentre os males com os quais a Editora Best Seller vitima o insuspeito autor inglês.

O enredo de Pense... é bastante comum, até trivial. Helen Reed, uma escritora bem sucedida de meia idade, chega à fictícia Universidade de Gloucester para lecionar no curso de graduação em criação literária por um ano, substituindo o professor regular que está de licença. Lá, ela conhece Ralph Messenger, o carismático diretor do centro de ciência cognitiva e figurinha fácil da mídia britânica, a qual o convoca a todo momento para explicar ao público leigo os mistérios da consciência humana. Desprezado por colegas invejosos como um ''cientista televisivo'', Messenger é adorado pelas esposas dos mesmos, bem como por nove entre dez mulheres que povoam o romance.

Comédia - Embora tímida e fragilizada pela morte recente do marido, Helen se sente balançada pelo poder de sedução de Messenger e passa a contemplar a possibilidade de um caso amoroso com ele, hipótese que rejeita de início por causa da amizade que sente pela esposa dele, Carrie. Trocando em miúdos, a trama do livro resume-se basicamente a uma comédia de costumes sexuais transcorrida em um campus universitário da Inglaterra, assunto que Lodge domina com bastante intimidade por ser, além de escritor, professor da Universidade de Birmingham.

O enredo leve e despretensioso, que poderia se tornar uma chatice das mais previsíveis nas mãos de um autor menos inteligente, oferece uma estrutura enxuta para Lodge introduzir no texto uma dimensão rica e frutífera de metalinguagem narrativa e de discussões conceituais sobre a consciência e os malogros intrínsecos à comunicação dos sentimentos.

Sem nunca se tornar maçante, o autor faz uso do desdobramento fictício de sua própria personalidade nos personagens do professor mulherengo e da escritora moralista para empreender divertidas reflexões sobre os limites dos encontros e desencontros entre as percepções que cada um faz do mundo, de si próprio e dos outros. Lodge realiza essa complexa tarefa através de um esfacelamento eficiente da narrativa em diversas vozes, principalmente os diários dos dois personagens, entremeados de capítulos narrados na terceira pessoa, e mais alguns documentos heterogêneos anexados de modo ligeiramente canhestro, tais quais e-mails e exercícios literários dos alunos de Helen.

Henry James - Com sua fina observação de detalhes e costumes, registrados com uma habilidade indiscutível de evocar a interação social através da descrição precisa de gestos, olhares, disfarces - enfim, todo o teatro das relações humanas -, Lodge estabelece paralelos contemporâneos com a obra de Henry James, autor que ele homenageia explicitamente em Pense.... Se isto ainda o deixa longe de ser um dos escritores mais importantes e inovadores da atualidade, já é bastante coisa, mesmo assim.

Inteligente e divertido ao mesmo tempo, o romance rende boas risadas para qualquer um que já conheceu, ou quis conhecer, o meio universitário britânico. Porém, para essas pessoas, recomenda-se a leitura do romance no idioma original, pois a presente edição é um campo minado de erros de tradução e de descuido na revisão. Para citar apenas o exemplo mais grotesco de ambas as coisas, a filhinha de Ralph Messenger, Hope, aparece como ''filho caçula''por erro de tradução, e reaparece depois como menina em falha gritante de revisão. Da capa insossa à tradução displicente, um autor da elegância de David Lodge merecia coisa melhor.


Rafael Cardoso é escritor


[23/FEV/2002]

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