Fritz Utzeri, no JB:

Como uma vela já no final do pavio, definhada, vacilante, apaga-se lentamente a vida de Mário Lago. Apaga-se cercado do carinho dos seus, família maravilhosa que soube criar e manter unida. Vai chegando ao fim uma vida que valeu a pena ser vivida em meio ao sofrimento físico que não merecia e à indiferença, a falta de sensibilidade, de quem muito lhe deve.


Mário Lago é um gigante e quando seus olhos se fecharem para sempre certamente não lhe faltarão homenagens, programas especiais na TV, pronunciamentos de autoridades. Merecia luto nacional. Mas converso com a família, vejo-o com tristeza em seu leito agonizante. Uma sombra. Escolheu morrer em casa. A forma humana de fazê-lo, mas que as famílias em geral recusam, por comodismo, egoísmo, preferindo colocar seus agonizantes em CTIs frios e impessoais, medicalizando a morte, escondendo-a e escondendo-se dela, transformando-a numa sucessão de atos frios e condenando o desenganado a um fim desumano, solitário, impessoal. Longe dos seus, abandonado. Os filhos de Mário Lago são de outra estirpe. Vejo Graça, sua filha, a acariciar o rosto do pai murmurando ''estou aqui, pai, nós te amamos''. Eles se revezam à cabeceira do moribundo. Quantos de nós faríamos o mesmo?


Mas a injustiça aflora terrível, perturba, contamina o momento que deveria ser de pura tristeza carinhosa, de comunhão de amor com aquele que está partindo. Ao mesmo tempo em que dá afeto e conforto, a família luta contra a indiferença e o absurdo. Mário Lago foi perseguido pela ditadura, esteve na primeira leva dos demitidos da Rádio Nacional e seu nome era vetado pelos esbirros do arbítrio.


Comeu o pão que o diabo amassou. Não havia mais comida em casa. Foi Dercy Gonçalves quem teve a coragem de lhe dar uma ponta num programa que tinha na TV, que o trouxe de volta. Preso várias vezes, já velho, ganhou o direito a aposentadoria ''especial''. Pouco mais de R$ 3 mil.


O INSS achou muito, exorbitante e reduziu-lhe a pensão. Mário Lago está tendo que devolver R$ 600 mensais pagos ''indevidamente''. A família recorreu e o caso se arrasta.


Mas não pára aí. Desde a doença e morte de sua companheira Zeli, ele tem se endividado com despesas médicas. Agora essas dívidas multiplicam-se e os planos de saúde regateiam o tempo todo. Ele precisa de quatro sessões de fisioterapia para continuar respirando? O plano só paga duas. O médico cobra a consulta domiciliar? O plano não cobre a totalidade. É preciso uma cânula? O plano não paga.


De despesa em despesa as dívidas crescem e a angústia de estar perdendo alguém muito querido é acrescida pela aflição – desnecessária e cruel – de ''correr atrás''. Se vivesse num país que reconhecesse seus grandes homens, Mário Lago não precisaria estar sofrendo como sofre. Imaginem agora como o país trata um João Ninguém qualquer(...).

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