Notícias do Paraíso II


Saí à caça de expressões e termos do português falado em Lisboa e acabei lendo o livro de Lodge, de trás prá frente, um pouco em leitura dinâmica e o terminei, quanto mais não seja por dever de ofício.

Conta a história de um padre católico, filho de irlandeses, nascido nos arredores de Londres, estudante brilhante, encaminhado muito jovem pela família para a carreira eclesiástica, especialista em filosofia e teologia, que descobriu-se agnóstico na altura dos quarenta e abandona o clero, passando a dedicar-se ao ensino para sobreviver. Aqui aparece a primeira citação de C. Lévi-Strauss: “o estudante que escolhe a profissão de ensinar não se despede do mundo da infância; pelo contrário, está a tentar permanecer nele”. P. 166.

Certo dia, uma tia que há muitos anos vivia afastada da família residindo no Havaí, liga para Bernard - este é o nome do personagem e narrador - comunicando-lhe que estava com câncer, desenganada pelos médicos, pedindo para ver o irmão antes de morrer, e disposta a pagar as despesas da viagem. O sobrinho explicou que o pai estava velho e adoentado mais ia ver o que podia fazer. Para ajudá-la, acaba convencendo o pai a acompanhá-lo na viagem, feita com um pacote de uma agência de turismo que incluía a passagem de ida e volta a Honolulu, hospedagem de uma semana em um hotel e vários passeios.

A primeira parte do livro descreve essa viagem e a fauna que integra o grupo de turistas da agência, suas experiências e problemas.

Logo na chegada, antes mesmo de rever a irmã, o pai de Bernard é atropelado por um carro e internado em um hospital com a bacia fraturada. O filho trata de administrar a situação ao mesmo tempo que contata a tia e trata do internamento dela em uma casa de repouso. Para tanto, torna-se seu procurador, descobrindo que a velha está com uma pequena fortuna em ações da IBM, condição que lhe garantirá um tratamento condigno até a morte.

Nesse ínterim, Bernard, que até então desconhecia o belo sexo e cuja primeira experiência amorosa redundara em fracasso, conhece a mulher que atropelara seu pai (dele) e acaba apaixonando-se, sendo iniciado por ela nos segredos do sexo e do amor.

A segunda parte do livro conta a experiência dos membros do grupo de turistas, usando o autor para tanto do expediente de transcrever suas cartas, cartões postais e anotações em diários, quando aproveita a oportunidade para passar ao leitor uma idéia de como é o turismo no Havaí moderno. Nesta altura aparece uma segunda citação à obra de C. Lévi-Strauss, p.210.

Depois de duas semanas, Bernard retorna a Londres, dando um tempo para Yolande – é esse o nome da heroína - pensar no seu pedido de casamento, deixando-lhe a missão de administrar o testamento e a morte da tia. Após o desfecho, que ocorre algum tempo depois, ela escreve contando-lhe em detalhes como se deu o desenlace, os termos do testamento, e comunica-lhe que está viajando para Londres onde pretende visitá-lo para discutirem o futuro. Essas são as notícias do paraíso.

Durante a leitura deste livro acabei anotando mais algumas expressões e termos do português falado em Lisboa. Além das construções onde predominam o emprego do infinitivo - objeto de uma consulta de Alessandro, em blog de novembro último (9/11/01 – 6:49) que Neodo respondeu ([11/10/2001 8:19). Abundam especialmente adjetivos para nós desconhecidos: larachas, gaita, gatafunhada, forreta, guita, cresta, cavaqueira, proleta, data de, sanita, traseiras, trela, autocarro, palimpseto, à justa, pega, e por aí vai.

Há pouco tempo, motivado por uma novela da Globo, andei baixando de um site francês para o meu Rocket e-book o livro Os Maias, de Eça de Queiroz. Lendo Eça a impressão que se tem é de estar lendo português arcaico, lendo a tradução portuguesa de Lodge fica-se com a sensação de ler numa língua estrangeira.

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